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sábado, 15 de março de 2008

Teoria do conhecimento

Teoria do conhecimento


Teoria della Conoscenza, de Nicla Vassallo.
Roma-Bari, Laterza, 2003, 164 pp.

Um dos ramos mais antigos e fascinantes da filosofia é a teoria do conhecimento. Sempre aberta a problemas e apoiando-se em terreno movediço, não teme explorar novos horizontes e suscitar incômodos questionamentos em áreas supostamente sólidas. Por isso mesmo é difícil encontrar alguma obra que, sem desprezar o rigor, trate-a com clareza didática e objetividade. Teoria della conoscenza, de Nicla Vassallo, preenche essa lacuna em livro que não deveria ficar restrito aos leitores italianos, merecendo tradução em língua portuguesa, já que poucas obras enfocam esse tema no Brasil e em Portugal, onde a filosofia parece se reduzir à história da filosofia.

Interessada tanto na história quanto nas teorias que exploram a epistemologia, a metafísica e a filosofia da ciência, a autora traça, em linguagem enxuta, um panorama razoavelmente abrangente da teoria do conhecimento, tema que começou a estudar no King's College de Londres, no início dos anos 90. É mérito seu apresentar as diversas teorias sem tomar partido, mas sem deixar, também, de apontar os principais problemas de cada uma delas (e todas, claro, podem ser alvo de tiro).

O livro se divide em três amplos capítulos que, partindo da idéia de conhecimento (em que se analisa a diferença entre aparência e realidade, as noções de verdade, os tipos de conhecimento e suas fontes, com destaque para o valor do "testemunho", em geral pouco considerado), aborda os principais problemas da teoria do conhecimento (notadamente a questão da justificação), concluindo com o exame de algumas posições mais recentes, em geral propensas ao relativismo. Encerra o livro a indicação, relativa a cada um dos capítulos, de leituras complementares para o aprofundamento do assunto, seguida de uma extensa e informativa bibliografia.

Quanto aos tipos de conhecimento, que alcançamos através de fontes como a percepção, a racionalidade, a memória, a inferência lógica e o "testemunho", Vassallo dedica mais atenção, como não poderia deixar de ser, ao conhecimento proposicional, sem esquecer o conhecimento direto (ex.: "conheço Virgínia") e o conhecimento por habilidade (ex.: "sei andar de bicicleta"). Supondo-se que S seja um sujeito cognitivo qualquer e p uma proposição qualquer, eis a formulação clássica de conhecimento:

S sabe que p se e somente se:


1) p é verdadeira,
2) S crê que p seja verdadeira, e
3) a crença de S em p é justificada.

Trata-se da análise tripartida — retomada a partir dos anos 60 por autores ingleses e norte-americanos —, que define o conhecimento como crença verdadeira justificada. Verdade, crença e justificação são, portanto, três condições necessárias para que se tenha conhecimento. A estes requisitos algumas teorias acrescentam outros, particularmente no que diz respeito à justificação. É o caso do coerentismo — defendido por Sellars e Davidson, entre outros —, que sustenta que "uma crença é justificada se e somente se adere coerentemente ao sistema de crenças de que faz parte". Essa posição, segundo Vassallo, é pouco satisfatória, correndo o risco de conduzir a um círculo vicioso (uma crença c1 obtém a própria justificação numa crença c2, que por sua vez obtém justificação numa crença c3... que é justificada na crença Cn, que, enfim, obtém justificação na crença c1).

A posição rival é o fundacionalismo (enraizado em Aristóteles, Descartes, Locke, Russell e outros), que divide as crenças em básicas e derivadas: as primeiras são justificadas imediatamente, enquanto as derivadas obtêm justificação inferencialmente a partir das primeiras. A objeção mais conhecida ao fundacionalismo tem por alvo a crença de base. Nenhuma crença básica é justificada, recorda Vassallo, porque aquilo que poderia justificá-la é, igualmente, uma crença. O fundacionalismo, assim, acaba sendo "incapaz de enfrentar o problema do regresso, que motiva a sua própria existência".

Ainda relativamente ao problema da justificação, a autora prossegue analisando o fiabilismo (preconizado por Plantinga), o naturalismo (defendido por Quine e Goldman, que sustentam a idéia de que a teoria do conhecimento deve se apoiar nas ciências) e os históricos desafios do ceticismo, a que já procuraram responder, por exemplo, o racionalismo cartesiano, o empirismo de Moore, a filosofia de Wittgenstein e, mais recentemente, Robert Nozick, que mostra uma certa abertura para as teses céticas, sem, contudo, tornar-se ele próprio um cético.

No último capítulo, Vassallo aborda algumas contribuições mais recentes, como o contextualismo e o feminismo. O primeiro, embora não relativizando a noção de verdade, afirma que a justificação é relativa ao contexto em que está situado o sujeito do conhecimento. O segundo é mais radical em seu relativismo: o sujeito cognoscente de que trata a teoria clássica do conhecimento teria assumido, no decorrer dos séculos, "as características do homem branco, ocidental, heterossexual, de cultura elevada, de boa posição social" etc. Revalorizando o conhecimento direto e o conhecimento por habilidade, o feminismo contesta as várias tentativas clássicas de oferecer uma definição plausível de conhecimento proposicional, posto que estas buscam, exatamente, estabelecer condições para o conhecimento e para a justificação válidas para qualquer sujeito. Essa "ótica particularista" suscita não poucas perplexidades. Ainda que identificando alguns pontos positivos nas teorias feministas, a autora ressalta que a aceitação do particularismo conduz a uma pergunta incômoda: por que não incentivar também a construção de uma teoria do conhecimento dos negros, dos anciãos, dos jogadores, dos fumantes, etc.?

Ciente de que a aspiração ao conhecimento faz parte da natureza humana, constituindo o próprio "paradigma de nossa existência", Nicla Vassallo fecha o livro com a seguinte observação: "se admitimos que é de nossa natureza não ser brutos, mas conduzir uma existência epistêmica, então devemos admitir que a teoria do conhecimento nos garante, com suas análises precisas e iluminantes, uma existência mais consciente e clara". Parece pouco, mas é o que nos torna mais humanos.
Orlando Tambosi
(Publicado originalmente na revista eletrônica Crítica, de Lisboa.)

O ERRO E A SUA AMIGA VERDADE

O ERRO E A SUA AMIGA VERDADE

“Em vez de falar dum oceano de incerteza em torno de uma ilha de certeza, pode ser preferível falar dum oceano de incerteza no qual pequenas rochas de certeza constantemente aparecem e desaparecem.”
John Watkins, 1990, 99.

“Assim nos erguemos do marasmo da ignorância, assim atiramos ao ar uma corda e trepamos por ela desde que atinja um ponto de apoio, um ínfimo galho de árvore, por mais precário que seja.”
Karl Popper, 1996, 164.

No domínio científico, parece ser possível afirmar que o único critério possível para se demarcarem erros é tomar como referência verdades que se conseguiram reunir. Mas, logo de seguida, temos de acrescentar que este critério não é completamente seguro, pois há razões para admitir que as verdades, mesmo as mais consistentes, podem ser (não quer, necessariamente, dizer que o sejam) incompletas, imperfeitas e provisórias. Ainda assim, não nos parece tratar-se de um critério inválido ou sem qualquer relevância.

Para explicar melhor esta ideia é importante desmistificar um grave equívoco que lhe anda associado: sendo as verdades científicas, como todas as outras verdades, construídos por pessoas, não têm outro valor além daquele que elas lhe atribuem, ou seja, têm apenas e só valor para determinada(s) pessoa(s) ou comunidade(s), não havendo qualquer possibilidade de determinar o seu valor objectivo. Ora, daqui até se desvalorizarem as verdades ou se manifestar antagonismo contra o seu valor é um pequeno passo que, lamentavelmente, tem sido dado vezes demais.

Este é um raciocínio em que não podemos nem devemos cair, pois como escreveu Bronowski (1973, 373), “aquilo que conseguimos conhecer, apesar de sermos falíveis” mesmo que rodeado de alguma incerteza, possui um valor inestimável. E Popper (1999, 9; 122) acrescentou: “o conhecimento científico e a racionalidade humana que o produz são, em meu entender, sempre falíveis ou sujeitos a erro, mas são também, creio, o orgulho da humanidade”. Este último autor explicou que, de uma vez por todas, “devemos renunciar à ideia de que somos espectadores passivos do mundo, e acolher a ideia de que somos responsáveis, pelo menos em parte, pelo entendimento que temos dele”, até porque “uma das principais tarefas da razão humana é tornar o universo em que vivemos algo compreensível para nós” (1999, 63). Esse entendimento não será completo nem perfeito, porém, é preferível, notou Moles (1995, 16) com muita simplicidade, “saber de forma incerta do que não saber rigorosamente nada”.

Mas que verdades são estas, produzidas no seio da ciência e que, com alguma confiança, permitem demarcar erros? Watkins (1990, 14) explica de modo quase redundante que se trata de “um corpo organizado de saber sem a implicação de estar livre de erro” e Ziman (1999, 450) sublinha que o seu apuramento decorre da “resolução de disputas factuais” isto é, da submissão das proposições em debate — que, só por si, requerem integridade lógica — a provas empíricas. São verdades que se ajustam à realidade, “que se baseiam em dados verificados e que são aptos para fornecer predições correctas” (Morin, 1994, 19).

Ao contrário do que o pós-modernismo faz crer, não dependem tais verdades nem do consenso retórico nem do consenso democrático, uma vez que as estratégias de apuramento que as originam — o convencimento conseguido através da sedutora eloquência argumentativa e a eleição da opinião maioritária que se assume como legítima — não apresentam garantias factuais capazes de, com segurança, os rejeitar ou aceitar. No domínio científico, o consenso possui um sentido muito particular: reporta-se à “convergência entre diferentes indivíduos, raciocinando todos para chegar à verdade” (Nagel, 1999, 42), mas sempre apoiados em dados apurados, tanto quanto é humanamente possível, de maneira imparcial, sem interferência, portanto, de ideologias e de preconceitos alheios a essa intenção. São esses dados, e não outros, que permitem confirmar ou infirmar as proposições em debate.

A exigência de facticidade, num ambiente de objectividade — que a ciência impôs a si própria e se tornou, afinal, a sua característica mais marcante (Gil, 1999, 10) — permite atribuir, criteriosamente, a determinados dados, o estatuto de verdades e a outros o estatuto de erros.

Popper (1990, 48) — inspirado em dois pensadores por quem teve especial apreço, Immanuel Kant e Alfred Tarski — considerou, assim, que a reabilitação do conceito de verdade objectiva, ou seja, a verdade de acordo com a demonstração dos factos constitui “um dos resultados mais importantes da lógica moderna”, “o valor fundamental” da ciência e, afinal, “o grande baluarte” contra a suposição de que o puro pensar se basta a si próprio ou, como escreveu Brochard (1971, 16), de que é “sem sair de si mesmo, e pela virtude própria, que o espírito descobre a verdade”.

Não vejamos, pois, neste conceito de verdade objectiva qualquer indício de defesa do empirismo ou do dogmatismo positivistas mas, pelo contrário, o sustentáculo da actividade científica que possibilita, na opinião de Holton (1998), a redução de incertezas, que permite evitar alguns erros e ultrapassar outros.

Imagem: Desenhando-se (1948) de Maurits Cornelis Escher

Referências bibliográficas:

Brochard, V. (1971). Do erro. Coimbra: Atlântida.
Bronowsky, J. (1973). The ascent of man. Boston. Litle, Brow and Company.
Gil, F. (1999). A ciência tal qual se faz e o problema da objectividade in F. Gil (Coord.). A ciência tal qual se faz. Lisboa: Ministério da Ciência e Tecnologia/João Sá da Costa, 9-29.
Holton, G. (1998). A cultura científica e os seus inimigos. Lisboa: Gradiva.
Moles, A. (1995). As ciências do imprevisto. Lisboa: Afrontamento.
Morin, E. (1994). Ciência com consciência. Lisboa: Europa-América.
Nagel, T. (1999). A última palavra. Lisboa: Gradiva.
Popper, K. (1992). Em busca de um mundo melhor. Lisboa: Fragmentos.
Popper, K. (1996). O conhecimento e o problema corpo-mente. Lisboa: Edições 70.
Popper, K. (1999). O mito do contexto: em defesa da ciência e da racionalidade. Lisboa: Edições 70.
Watkins, J. (1990). Prefácio à edição portuguesa. Ciência e cepticismo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Ziman, J. (1999). A ciência na sociedade moderna in F. Gil (Coord.). A ciência tal qual se faz. Lisboa: Ministério da Ciência e Tecnologia/João Sá da Costa, 4
FONTE DE PESQUISA:
DE RERUM NATURA [Sobra a Natureza das Coisas]

O que é a Justificação

O que é a justificação?

 

A teoria do conhecimento ou epistemologia é a disciplina filosófica que estuda a natureza, limites e possibilidade do conhecimento. Num certo sentido, toda a filosofia se divide entre metafísica, que estuda os aspectos mais gerais da realidade, e a epistemologia, que estuda os aspectos mais gerais do conhecimento. Afinal, é argumentável que nada há além da realidade e do nosso conhecimento da realidade.
Entre outras coisas, em epistemologia (não confundir com filosofia da ciência) estuda-se a noção de justificação e a sua relação com a verdade e o conhecimento. Mas o que é a justificação?

Intuitivamente e popularmente as pessoas tendem a ter uma concepção metafísica de justificação. Contudo, não é essa a concepção mais comum em epistemologia, nem sequer é claro que tal concepção não seja uma confusão entre verdade e justificação.

A questão torna-se mais clara se pensarmos deste modo: será possível ter justificação para aceitar uma crença falsa? Segundo a concepção metafísica da justificação, não é possível. Mas isto acontece apenas porque se entende justificação como uma garantia de verdade. Neste sentido, ter uma crença justificada implica a verdade da crença. Evidentemente, não é este o sentido de “justificação” usado na análise tripartida do conhecimento como crença verdadeira justificada — pois nesse caso a análise seria redundante: a verdade estaria a mais, pois a justificação já garantiria a verdade.

A concepção mais defensável, e a concepção associada à análise tripartida do conhecimento, é que um agente cognitivo está justificado em acreditar em algo quando está em jogo um qualquer processo fidedigno de formação de crenças verdadeiras. Mas um processo de formação de crenças pode ser fidedigno e no entanto dar origem a crenças falsas, em certas circunstâncias. E é nesses casos que o agente está justificado em acreditar em algo, apesar de a crença ser falsa.

Por exemplo, podemos dizer que Ptolomeu tinha uma crença justificada de que a Terra estava imóvel. O tipo de indícios que ele usava eram adequados para sustentar essa crença — mas teve azar porque tais indícios são ou enganadores ou insuficientes para estabelecer a verdade de tal crença. Posto de outro modo: Ptolomeu não cometeu qualquer “pecado” epistémico, não cometeu qualquer erro epistémico. Apenas estava numa circunstância infeliz. Desde que tenha analisado cuidadosamente os dados empíricos, tenha raciocinado sem cometer erros triviais e tenha procurado activamente dados contrários à sua crença de que a Terra está imóvel, Ptolomeu tinha justificação para aceitar a sua crença, apesar de esta ser falsa.

É aliás defensável que esta é a grande diferença entre os erros da ciência e os acertos da religião. As teorias erradas da ciência são crenças justificadas no contexto em que se pensa que são verdadeiras, ao passo que mesmo as crenças verdadeiras da religião são sempre injustificadas no contexto religioso porque os mecanismos de justificação de crenças usados pela religião (tradição e autoridade, visões místicas pessoais e vivenciais, insusceptíveis de testes independentes) nada justificam. Quando a ciência erra, não peca epistemicamente. Mas a religião, mesmo quando acerta na verdade por sorte, peca epistemicamente.

Distingue-se também habitualmente em filosofia a noção de estar justificado da noção de ser capaz de articular uma justificação. O exemplo típico é uma criança que está justificada em acreditar que há leite no frigorífico porque abriu o frigorífico e lhe pareceu ver leite numa garrafa. Mas é claro que uma criança não é capaz de articular uma justificação, que teria de incluir conhecimentos complexos de percepção visual. Contudo, mesmo sem ser capaz de articular tal justificação, está justificada.

Também é evidente que a crença da criança pode ser falsa — afinal, a mãe pode ter colocado um qualquer líquido branco na garrafa do leite, sem a criança saber. Se não aceitarmos que a crença da criança está justificada, é porque fazemos coincidir a justificação com a verdade, o que a generalidade dos filósofos recusaria, e o que tornaria a análise clássica do conhecimento redundante por definição.

Verdade pragmática

Estudos Avançados

Print ISSN 0103-4014

Estud. av. vol.5 no.12 São Paulo May/Aug. 1991

doi: 10.1590/S0103-40141991000200010 

Verdade pragmática

Jair Minoro Abe


RESUMO

Como se sabe existem, pelo menos, quatro teorias de verdade que se evidenciam de relevância para o filósofo que se ocupa da Teoria da Ciência: 1) a Teoria da Correspondência, particularmente, na forma que lhe confiriu A. Tarski; 2) a Teoria da Coerência; 3) a Teoria Pragmática; e 4) a Teoria da Eliminação da Verdade (ou definibilidade da verdade).
Neste artigo, de caráter expositivo, se apresenta um apanhado geral de alguns desenvolvimentos técnicos que têm sido feitos nos adimos anos sobre a verdade pragmática, que também é chamada de quase verdade.


ABSTRACT

There are at least four theories of truth that are relevant for philosophers of science theory: 1) Theory of Correspondence, particulary, in the way it was proposed by A. Tarski; 2) Theory of Coherence; 3) Pragmatic Theory; and 4) Theory of the Truth Elimination (or definibility of truth).
In this expositor article, it is presented a general aspect of some technical developments that have been done recently about the Pragmatic Truth, which is also called " Quasi-Truth".


 

 

Neste artigo, fazemos um apanhado geral de alguns desenvolvimentos técnicos que têm sido feitos nos últimos anos sobre a verdade pragmática, que também chamamos de quase-verdade. Tais desenvolvimentos se devem, especialmente, a N. C. A. da Costa, R. Chuaqui, I. Mikenberg e S. French.

Há, pelo menos, quatro teorias da verdade que se evidenciam de relevância para o filósofo que se ocupa da Teoria da Ciência: 1ª) a Teoria da Correspondência, particularmente na forma que lhe conferiu A. Tarski; 2ª) a Teoria da Coerência; 3ª) a Teoria Pragmática; 4ª) a Teoria da Eliminação da Verdade (ou definibilidade da verdade). Sobre tais teorias o leitor pode consultar S. Haack (1980a e b), A. Tarski (1956 e 1944) e A. Grayling (1986).

Segundo a Teoria da Verdade como Correspondência, este conceito relaciona proposições, juízos ou sentenças a situações reais; e uma proposição, um juízo ou uma sentença é verdadeiro se, e somente se, reflete a realidade. Em outras palavras, uma proposição é verdadeira se ela corresponde à realidade, se o que ela afirma de fato é.

Aristóteles, no Livro I'da Metafísica, define a verdade da seguinte maneira: "Dizer daquilo que é, que é, e daquilo que não é, que não é, é verdadeiro; dizer daquilo que não é, que é, e daquilo que é, que não é, é falso". Na Idade Média, os Escolásticos afirmavam que a verdade é a adequação entre pensamento e realidade.

As definições anteriores são válidas e não podem servir de base para um tratamento lógico-matemático do conceito de verdade como correspondência. O grande mérito de Tarski foi o de ter desenvolvido uma formulação matematicamente tratável da Teoria da Correspondência. Com isso, ele revolucionou a Lógica e lançou as bases da Teoria Clássica de Modelos, uma das partes mais importantes da Lógica atual, não apenas relevante em si mesma, pelos seu notáveis resultados teóricos, como, também, pelas suas aplicações na Matemática, nas Ciências Empíricas e na Tecnologia.

A idéia central de Tarski foi a de considerar o conceito de verdade como consistindo numa relação entre sentenças de uma linguagem e a estrutura na qual esta linguagem está interpretada. Não há sentido falar de verdade ou de falsidade de uma sentença a não ser que se saiba exatamente a que linguagem essa sentença pertence e de que modo a linguagem está interpretada.

A definição de Tarski pressupõe que a linguagem de base possui uma estrutura bem definida, pois ela deve ser tratada do ponto de vista matemático. Por conseguinte, a definição de Tarski se aplica principalmente às linguagens artificiais, simbólicas, da Lógica e da Matemática.

Não podemos apresentar, aqui, mesmo de modo informal, a Teoria de Tarski, dado que é demasiadamente técnica. No entanto, como ela é a base da Lógica tradicional, pode ser encontrada em bons livros de Lógica, como os de Shoenfield (1967) e de Mendelson (1979). Conforme a linguagem estudada, a definição correspondente de verdade possui características peculiares.

No entanto, lembramos que o conceito de verdade, tal como Tarski o entende, deve satisfazer o que se chama esquema T, que, em um caso particular, é o seguinte:

T: "A neve é branca" é verdadeira se, e somente se, a neve é branca.

Em outras palavras, o esquema T, que a definição de verdade de Tarski satisfaz, garante que a relação é uma conexão entre linguagem e realidade (na Teoria Abstrata de Modelos é uma relação entre linguagens artificiais e certas estruturas matemáticas que se chamam modelos).

A Teoria da Coerência não considera a verdade como uma relação entre linguagem ou pensamento e realidade. Ao contrário, concebe a verdade como sendo uma propriedade eminentemente lingüística, de caráter sintático; vários autores, de uma maneira ou outra, defendem a Teoria da Coerência, tais como G. Hegel, B. Bosanquet, F. Bradley e H. Joachim bem como alguns dos membros do Círculo de Viena, tais como O. Neurath e H. Hahn.

Segundo os adeptos da Teoria da Coerência, não se pode comparar uma sentença à realidade, para sabermos se a sentença é verdadeira ou falsa. Com efeito, a realidade nos afeta e através de nossa experiência podemos testar uma sentença; porém, como nossa experiência, também, se reduz a sentenças de determinado tipo, segue-se que, afinal, só se pode comparar sentenças com certas sentenças. O cientista, enquanto tal, recebe um conjunto de sentenças que são aceitas como verdadeiras, que devem ser coerentes (não encerram contradições) e aspirar à maximalidade: isto é, o pesquisador sempre procura conjuntos coerentes maximais de sentenças. Sempre que uma parte de nosso sistema de. crenças não funciona bem, devemos procurar modificá-lo, comparando-se sentenças entre si, de modo a se obter um novo sistema que seja coerente e, se possível, maximal.

Assim, Neurath diz que somos como um marinheiro que, no meio do oceano, tem que reconstruir o próprio barco.

A Teoria da Coerência é extremamente interessante e hoje a Lógica e a Matemática possuem meios para tratá-la de uma forma conveniente. Porém, como nosso objetivo é o estudo da verdade pragmática, não ampliamos mais nossa exposição da verdade como coerência.

A Teoria da Eliminação da Verdade é a teoria cunhada por F. P. Ramsey, segundo a qual o conceito de verdade não apresenta aspectos teóricos de grande relevância, pois pode ser eliminado. Por exemplo, afirmar que "A neve é branca" é verdadeira, equivale, simplesmente a afirmar: A neve é branca.

A teoria de Ramsey foi muito desenvolvida nos últimos tempos, existindo filósofos e lingüistas que a têm aplicado nas mais variadas circunstâncias.

Finalmente, a Teoria Pragmática da Verdade é a que tratamos com algum pormenor neste trabalho, por se ter convertido numa das mais importantes concepções de verdade, com significativas aplicações à Lógica, à Matemática e à Filosofia da Ciência.

 

As concepções de Peirce, James e Dewey

A concepção pragmática da verdade se deve basicamente a C. S. Peirce, um dos grandes lógicos e filósofos do século passado e do começo deste, o criador do pragmatismo.

Peirce escreveu: "considere que efeitos práticos concebemos que o objeto de nossa concepção tem. Então, nossa concepção desses efeitos constitui o conteúdo total de nossa concepção desse objeto" (C. S. Peirce 1965, p. 31).

A afirmação de Peirce pode ser claramente interpretada como significando que a verdade pragmática de uma proposição depende de seus efeitos práticos, supondo-se, naturalmente, que esses efeitos sejam aceitos como verdadeiros, ou falsos, no sentido comum da palavra verdade.

Como se observa em Mikenberg, da Costa e Chuaqui (1986), esses efeitos podem ser formulados como certas proposições básicas e, portanto, uma asserção (hipótese ou teoria) pode ser tida como pragmaticamente verdadeira se suas conseqüências básicas são verdadeiras, no sentido da Teoria da Correspondência. Para eles, esta interpretação do dictum de Peirce constitui a essência da Teoria da Verdade de Peirce.

Assim, a verdade pragmática é fundada em suas conseqüências básicas ou efeitos práticos, e não se mostra completamente independente no sentido de correspondência com a realidade. Como afirmam da Costa e Chuaqui: "Ao contrário, um enunciado — em geral, um enunciado teórico — é pragmaticamente verdadeiro somente quando os enunciados básicos que ele implica são verdadeiros no sentido da Teoria da Correspondência da Verdade. Mas, ainda, uma asserção básica é verdadeira, do ponto de vista pragmático, se, e somente se, ela é verdadeira de acordo com a Teoria da Correspondência. Assim, a verdade pragmática não é inteiramente arbitrária" (Da Costa e Chuaqui, no prelo).

Acrescentam da Costa e Chuaqui: "Em geral, pode-se manter que em Ciência sempre obtemos verdade pragmática, embora a verdade pragmática assim obtida se aproxime da verdade" (no sentido da Teoria da Correspondência). Tal idéia pode ser tornada rigorosa por meio da nossa definição de verdade pragmática... E esta parece ser, também, a posição de Peirce. Por exemplo, ele afirma: "Diferentes pessoas podem começar com os mais antagônicos pontos de vista, mas o progresso da investigação acaba por levá-los, forçosamente, para fora de si mesmos, à única e mesma conclusão. Essa atividade do pensamento por meio da qual somos levados, não aonde desejamos, mas a uma finalidade pré-fixada, é semelhante à questão do destino. Nenhuma modificação do ponto de vista inicial, nenhuma mudança natural de postura, pode fazer com que um homem escape da crença predestinada. Esta grande esperança é englobada na concepção da verdade e da realidade" (Peirce 1965).

Os autores em questão desenvolvem as idéias anteriores da mesma forma que Tarski formalizou a Teoria Clássica da Correspondência. Antes, porém, de mostrarmos como se efetua isto, diremos alguma coisa sobre as concepções de James e de Dewey (consultar S. Haack 1974 e 1980).

James reformula a definição de Peirce, levando em conta, especialmente, questões não-científicas. Em particular, procura estabelecer uma Teoria da Verdade Pragmática que justifique as crenças religiosas. Falando-se sem rigor, a crença em Deus, por exemplo, seria pragmaticamente verdadeira se suas conseqüências, na vida de todos os dias, fossem interessantes, agradáveis e convenientes para a pessoa que crê.

Muitas vezes se sustenta que a teoria de James é muito menos rigorosa que a de Peirce e que carece de valor científico. Nossa opinião é diferente: embora a teoria de W. James divirja da de Peirce, e muitas de suas teses não tenham sido aceitas por Peirce, seria deveras interessante formalizarmos os aspectos mais salientes da posição de James no tocante à verdade.

Dewey sustentou uma Teoria da Verdade baseada na noção de assertabilidade garantida (warranted assertibility). Do ponto de vista atual, utilizando-se não apenas recursos lógicos e matemáticos usuais, como, também, métodos da Teoria dos Sistemas e do Cálculo de Probabilidade, talvez a teoria de Dewey pudesse ser matematizada.

 

Formalização da Teoria Pragmática da Verdade

Mikenberg, da Costa e Chuaqui nos apresentam, como já dissemos acima, uma matematização de uma concepção pragmática de verdade que eles denominaram de quase-verdade (cf. Mikenberg, da Costa e Chuaqui 1986). Embora não encarem sua definição como uma exegese da posição peirciana, o fato é que a definição dada por eles capta, sem dúvida alguma, aspectos relevantes e significativos da doutrina da verdade do pensador norte-americano.

Nossa finalidade agora é a de descrever, de modo sucinto e sem o simbolismo e as técnicas necessárias para sua formulação precisa, a definição de da Costa e Chuaqui. Porém, antes disso, seria interessante fazer um resumo geral do trabalho desses autores, que foi muito bem sumariado por J. Corcoran.

"Filosofias Pragmáticas enfatizam a prioridade da experiência e da ação sobre o ser e o pensamento. Oponentes do pragmatismo são algumas vezes chamados de 'intelectualistas'. Característica das Filosofias Pragmáticas é o fato delas manterem pontos de vista claros sobre três questões: (1) significado, (2) verdade e (3) conhecimento. Devido a extensas variações entre tais filosofias, é simplista considerar qualquer combinação destes pontos de vista como típica (veja A. O. Lovejoy, J. Philos. 5 (1908), nº 1, 5-12; ibid. 5 (1908), nº 2, 29-39). Todavia, a seguinte combinação pode ser tida como um exemplo. (1) O significado de uma proposição é identificado com seu significado experimental e prático, i.e., com a totalidade das experiências possíveis que ela prediz. (2) A verdade de uma proposição consiste na realização no decurso do tempo (passado, presente e futuro) de seu sentido. (3) A crença na verdade de uma proposição é garantida pelo grau com que ela tem sido testada na prática e se mostrado satisfatória (pela pessoa ou comunidade que possui a crença)."

 

 

A Teoria Pragmática da Natureza da Verdade (ponto de vista (2)) está intimamente relacionada com a Teoria Pragmática do Critério de Verdade (ponto de vista (3)), ainda que sempre é importante distinguir entre a Teoria da (a natureza da) Verdade e uma Teoria do Critério de Verdade. Esta distinção é familiar a matemáticos através dos trabalhos de Tarski, que enfatizou a correspondência como a natureza da verdade matemática e da provabilidade como o critério da verdade matemática. A demonstração de Tarski do teorema de Gödel explora esta distinção, notando que indefinibilidade aritmética da verdade aritmética (teorema da provabilidade aritmética), para implicar que verdade aritmética não é coextensiva com a provabilidade aritmética (A. Tarski, Logic, semantics, metamathematics, tradução inglesa, veja pp. 197-8, 246-54, Clarendon Press, Oxford, 1956; MR 17, 1171; segunda edição, Hackett, Indianapolis, Ind., 1983; MR 85e: 01065; Sci. Amer. 220, 1969, 63-77, especialmente pp. 69-77).

 

 

O artigo (Mikenberg, I., N. C. A. da Costa & R. Chuaqui, Pragmatic truth and approximation to truth, "The Journal of Symbolic Logic" 51,1986, pp. 201-221) propõe modificar a noção tarskiana, model-theoretic, de "uma sentença s é verdadeira em uma interpretação i"de modo que a noção resultante, matematicamente precisa, é fiel a uma das noções pragmáticas da verdade. De acordo com o artigo, o contexto completo para o uso apropriado das frases "pragmáticamente verdadeiro" e "pragmáticamente falso" vai além do contexto acima do uso apropriado, clássico, de "verdadeiro" e "falso" sob dois aspectos: (a) a interpretação i é parcial (não necessariamente total) e (b) existe relativização a um conjunto P de sentenças "estabelecidas". Em conseqüência, a noção a ser definida é expressa por "uma sentença s é pragmaticamente verdadeira em uma interpretação parcial i relativa a um conjunto P de sentenças". A condição necessária e suficiente proposta como definitiva é " s e as sentenças em P são simultaneamente satisfeitas por uma extensão total de i" . Grosso modo, de acordo com o artigo (p. 204), se uma sentença é pragmáticamente verdadeira, "ela salva as aparências".

Os autores constroem um sistema formal de dedução à la Gentzen para acompanhar as semânticas acima. Eles obtêm um teorema de completude e alguns outros resultados matemáticos, incluindo uma demonstração de um teorema sobre extensões de grupos semi-ordenados, que originalmente foi enunciado, sem demonstração, por Tarski em 1948. Há, também, aplicações ao problema em Filosofia da Ciência de explicar a idéia de uma teoria anterior ser uma "aproximação" de uma posterior, mais adequada.

O artigo não reivindica qualquer tentativa de erudição suficiente para mostrar que sua definição é fiel a uma idéia endossada por um filósofo pragmático. Seu objetivo definido é mostrar que idéias matematicamente rigorosas, refletindo o pensamento pragmático, possuem conseqüências matematicamente interessantes e construir uma extensão pragmática da Teoria Clássica de Modelos (J. Corcoran, MR 88c: 03006)".

Mikenberg, da Costa e Chuaqui, seguindo Tarski, sublinham que a definição de verdade pragmática ou de quase-verdade, como eles a conceberam, só pode ser feita com relação a uma determinada linguagem, interpretada em uma estrutura conveniente. Uma das grandes novidades dessa concepção reside no fato de que as estruturas nas quais a linguagem é interpretada não são estruturas totais, como no caso da teoria de Tarski, mas sim estruturas parciais.

Na Teoria Clássica de Verdade de Tarski, as linguagens são interpretadas em estruturas que, grosso modo, se compõem de um conjunto A, denominado universo da estrutura e de certo conjunto R de relações, envolvendo objetos de A. Essas relações são sempre definidas para todos os objetos de A: por exemplo, se tivermos uma relação binaria, em R, então, dados dois objetos x e y quaisquer de A, eles estão ou não ligados por essa relação. Na teoria de da Costa e Chuaqui isso não ocorre, pelas razões que passamos a expor: os objetos x e y de A podem estar ligados por uma relação de R, podem não estar ligados pela relação ou, finalmente, podem não estar definidos se eles não possuem a relação entre si.

A partir de estruturas parciais, como acabamos de descrever, e de conjuntos de sentenças básicas que expressam proposições de nossa experiência, verdadeiras ou falsas, de acordo com a Teoria da Correspondência, e de sentenças mais complexas, expressando proposições aceitas previamente, define-se o conceito de verdade pragmática de uma sentença por um processo parecido com o tarskiano e que se apoia no mesmo. O resultado, então, é o seguinte: uma sentença s é quase-verdadeira ou pragmaticamente verdadeira numa determinada região do conhecimento (ou numa estrutura) se tudo se passa nessa região (ou estrutura), como se s fosse verdadeira de acordo com a Teoria da Correspondência. Equivalentemente, uma sentença é quase-verdadeira num domínio se, e somente se, salvar as aparências desse domínio, ou seja, funciona.

A definição de quase-verdade generaliza a definição de Tarski e seus autores constroem uma teoria generalizada de modelos que encontrou várias aplicações em Lógica e em Matemática (cf. da Costa e Chuaqui (no prelo) e Mikenberg, da Costa e Chuaqui 1986).

O leitor facilmente percebe que a definição de quase-verdade satisfaz os principais requisitos a que uma definição de verdade pragmática parece condicionada. Especialmente notável é o fato de que a verdade pragmática é um processo de se salvar as aparências, quando não se conhece a verdade segundo a Teoria da Correspondência. Todavia, outras interpretações da Teoria da Quase-Verdade são possíveis, embora não tenhamos tempo para abordá-las aqui.

 

Algumas aplicações da quase-verdade

A quase-verdade, sobretudo em decorrência dos trabalhos de Mikenberg, da Costa e Chuaqui e French, encontrou variadas aplicações na Teoria da Ciência.

Chuaqui, da Costa e Mikenberg mostraram como a quase-verdade pode ser usada para se definir o conceito de aproximação à verdade de teorias científicas, verdade sendo usada aqui no sentido da Teoria da Correspondência. As noções formuladas têm um significado matemático intrínseco e podem ser aplicados, por exemplo, em Álgebra (Mikenberg, da Costa e Chuaqui 1986), etc.

Outras aplicações, devidas a S. French e N. C. A. da Costa, são as seguintes: a edificação de uma nova Lógica Indutiva (consultar da Costa em Erkenntnis e da Costa e French (no prelo)) à estruturação de uma nova Teoria Subjetiva de Probabilidade do realismo e do empiricismo (cf. French (no prelo)), etc.

Constata-se, portanto, que o conceito de quase-verdade não se mostra apenas importante por formalizar e precisar uma Teoria da Verdade como a pragmática, mas encontra numerosas aplicações nos mais variados domínios. Isto é sinal, segundo pensamos, de que a Teoria da Quase-Verdade se converterá numa das mais importantes teorias da Lógica atual (o surpreendente é que a quase-verdade acha-se correlacionada com a Lógica Paraconsistente (ver, por exemplo, da Costa 1989 e da Costa e Chuaqui (no prelo)).

 

Bibliografia

Esta bibliografia contém não apenas os artigos citados no texto, como também todos os artigos publicados ou em vias de publicação sobre o tema que conseguimos arrolar.

DA COSTA, N. C. A. 1989. Logic and pragmatic truth. In: __________. Logic, Methodology and Philosophy of Science VIII. Edited by J. E. Fenstand et al., Elsevier Science Publishers B. V.        [ Links ]

__________. Pragmatic probability. In: __________. Erkenntnis. 25, pp. 141-142.        [ Links ]

DA COSTA, N. C. A. & R. CHUAQUI. The logic of pragmatic truth, a aparecer.        [ Links ]

DA COSTA, N. C. A. & S. FRENCH, Pragmatic truth and the logic of induction, a aparecer.        [ Links ]

__________. The model-theoretic approach in philosophy of science, a aparecer em Philosophy of Science.        [ Links ]

FRENCH, S. A note on constructive empiricism and pragmatic truth, a aparecer.        [ Links ]

GRAYLING, A. C. 1986. An Introduction to Philosophical Logic. The Harverster Press.        [ Links ]

HAACK, S. Deviant Logic. Cambridge University Press, Cambridge, 1974.        [ Links ]

__________. Philosophy of Logics. Cambridge University Press, Cambridge, 1980.        [ Links ]

MENDELSON, E. 1979. Introduction to Mathematical Logic. D. Van Nostrand Company, New York        [ Links ]

MIKENBERG, I., N. C. A. DA COSTA & R. CHUAQUI. 1986. Pragmatic truth and approximation to truth. The Journal of Symbolic Logic. 51, pp. 201-221.        [ Links ]

PEIRCE, C. S. 1965. Philosophycal Writings of Peirce. Selected and edited by J. Buchler, Dover.        [ Links ]

SHOENFIELD, J. P. 1967. Mathematical Logic. Addison-Wesley Publishing Company.        [ Links ]

TARSKI, A. 1956. Der Wahrheitsbegriff in den formalisierten Sprachen, Studia Philosophica, 1, 1935, pp. 261-405. Traduzido para o inglês em Logic, Semantics, Metamaihematics. Oxford University Press.        [ Links ]

__________. 1944. The semantic conception of truth. Philosophy and Phenomenological Research. 4, pp. 341-376.        [ Links ]

 

 

Jair Minoro Abe é bacharel e mestre em Matemática Pura pelo Instituto de Matemática e Estatística da USP e doutorando em Lógica pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Foi professor-visitante da Universidade de Shizuoka, no Japão, e atualmente é professor do IGCE-Unesp. É, também, membro e coordenador do Grupo de Lógica e Teoria da Ciência do IEA/USP.

 

terça-feira, 11 de março de 2008

O que é conhecimento?

O que é conhecimento?

19 11 2007

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Jardim com ruîas da Academia de Platão - Atenas (2005)Durante séculos aceitamos como uma boa definição de conhecimento aquela inaugurada por Platão (colocada na boca de Sócrates): crença verdadeira justificada. Mas, em 1963 o estadunidense Edmund Gettier, com um paper de apenas três páginas, deixou os filósofos da época, e nós que viemos depois, olhando feio para Platão. E pior, passamos a olhar feio para nós mesmos, por não termos percebido – não do modo de Gettier – que a definição de Platão, tão bem adaptada, havia se tornado um dogma. Batemos a cabeça contra a parede; afinal, como não percebemos o que Gettier percebeu? Ele forneceu alguns exemplos de como que a nossa definição não podia se sustentar. A conseqüência disso foi uma revolução na epistemologia. Jogávamos nossas fichas na justificação, e a partir daí tivemos de desenvolver de modo melhor as teorias que apostavam não em justificação de crenças, mas nas causas (da produção) da crença.

“Crença verdadeira justificada” era a nossa definição de conhecimento porque nós, desde Platão, E. Gettiercriamos a idéia de que um enunciado pode ser algo chamado de conhecimento na medida em que ocorrem três coisas: 1) acreditamos no enunciado em questão; 2) o enunciado é, honestamente, uma crença nossa, e é uma crença verdadeira; 3) essa crença verdadeira está articulada a outros enunciados que a justificam. Essa noção de conhecimento precisa de um adendo explicativo, pois aqui é necessário relembrar os manuais de lógica, quando eles separam “verdade” e “justificação”.

D. DavidsonO que os manuais dizem é que a verdade é objetiva – sempre. Não há discussão sobre ela, e nem pode haver. Se há discussão, esta cai para o âmbito da justificação. Ou seja, a verdade é objetiva, subjetiva é a justificação. Eu explico.

Posso dizer “eu creio que há uma banana em cima da mesa” e, então, entender perfeitamente que a proposição p “há uma banana em cima da mesa” é objetiva, pois ela só possui dois valores de verdade: falsa ou verdadeira. Ou há uma banana em cima da mesa ou não há uma banana em cima da mesa. Assim, não é sobre o enunciado que cabe uma discussão, digamos, subjetiva. Uma vez que este enunciado é pronunciado, e ele é uma proposição – no caso, a proposição p –, ele escapa da boca de quem o pronunciou para ganhar vida objetiva, e tal “vida” funciona no âmbito da lógica; isto é, neste nível, p está desligada da questão da percepção (da banana) e da prova (de que banana esta em cima da mesa ou não). Então, o enunciado p “há uma banana em cima da mesa” é objetivo neste exato sentido – ele ou é falso ou é verdadeiro. Sobre ele, nenhum cético respeitável tem o que dizer. O cético que em geral consideramos, quando diz duvidar, duvida não da verdade, mas do conhecimento. O que nos conta é que a justificação da proposição p “há uma banana em cima da mesa” é que não irá nos satisfazer. Afirma que desconfia que jamais teremos conhecimento, pois podemos ter a crença na proposição p “há uma banana em cima da mesa” e brigar com qualquer um assumindo que p é verdadeira (ou falsa), mas quando viermos a dar justificativas para a manutenção (ou não) dessa nossa crença, iremos nos complicar – sempre.

Sócrates (?), escultura achada em escavações em DelfosAssim, desde Platão, a tarefa do filósofo que faz epistemologia ou teoria do conhecimento é a de criar mecanismos para a melhoria das justificações. E por isso mesmo um filósofo como Donald Davidson diz que precisamos distinguir, nas teorias de verdade, as que são do âmbito da lógica e as que são do âmbito epistemológico.[1] As da lógica não levam em conta a justificação, enquanto que as epistemológicas são inerentemente ligadas à discussão sobre justificações. Levando o raciocínio de Davidson mais adiante, poderíamos até dizer que muitas das divergências entre teóricos que lidam com o tema da verdade poderiam ser dissipadas se observássemos esse duplo approach, o da lógica como distinto do da epistemologia.

Os filósofos que observaram isso e que, de fato, puderam seguir Platão, resolveram dar um passo a mais, para aperfeiçoar tecnicamente a definição de conhecimento. Eles disseram que conhecimento é a crença verdadeira justificada, sendo que a justificação deveria ser irrevogável. Este caráter de irrevogabilidade da justificação, então, é que seria a pedra de toque de toda a questão de se temos na mão uma crença verdadeira que é conhecimento ou uma crença verdadeira que não é conhecimento. Assim, ficaríamos tranqüilos na diferença entre afirmar uma crença, por um lado, e dizer que sabemos de algo cujo conteúdo é expresso pela tal crença, por outro lado.

Todavia, isso valeu até 1963. Ou, ao menos, em boa medida tomávamos a definição neoplatônica sem grandes problemas até 1963. Pois nos Estados Unidos, exatamente naquele ano, o que Gettier fez foi propor o seguinte exemplo. Suponha Smith e Jones se inscrevendo para uma entrevista de emprego. Suponha também que Smith fique sabendo, diretamente pelo empregador, que não é ele que os proprietários têm em vista, e sim Jones. Este, por sua vez, aparece na entrevista e, na conversa com Smith, deixa transparecer que tem dez moedas no bolso da camisa. O que temos? Temos o seguinte:

1. Jones é o escolhido – crença verdadeira e justificada de Smith;

2. Jones tem dez moedas no bolso – crença verdadeira e justificada de Smith;

3. Conclusão de Smith, verdadeira e justificada: o homem escolhido tem dez moedas no bolso.

Bem, a entrevista ocorre, e eis que há uma surpresa. Sai o resultado da entrevista e Smith vê que é ele o escolhido, e não Jones (por alguma razão, na decisão, os patrões acharam um problema com Jones – isso não importa). Ora, Smith havia chegado à conclusão, e de modo correto, que o enunciado “o homem escolhido tem dez moedas no bolso” é verdadeiro. Pensa que errou, então. Todavia, se enfiasse a mão no bolso perceberia que também tem dez moedas (havia tirado uma camisa do guarda roupa e nesta camisa já estava o dinheiro, e jamais notou – isso não importa). Eis que sua conclusão é verdadeira: “o homem escolhido tem dez moedas no bolso”. E é uma conclusão justificada, pois a inferência é correta: de duas crenças verdadeiras e justificadas ele tirou uma terceira, verdadeira e justificada. A lógica não foi maculada. No entanto, não podemos dizer que essa crença de Smith, embora verdadeira e justificada, seja conhecimento, algo que indique que ele “sabe”. A conclusão pode ser chamada de crença verdadeira e justificada, mas as razões da justificação que poderiam nos levar a dizer que ele “tem conhecimento” não são as razões apontadas por ele, Smith. Ele tem crença verdadeira justificada, mas não tem conhecimento. Seria um erro usar o verbo saber, no caso.

Essa virada de Gettier na filosofia, que poderia ter alimentado o cético, acabou não alimentando tanto quanto à primeira vista poderia parecer. Pois o que ocorreu foi que os filósofos começaram a deixar de lado a definição que apela para justificações, e passaram a buscar definições de conhecimento a partir de causas. Em vez de ter o enunciado, e então buscar justificações, agora, para se ver se há ou não conhecimento, toma-se o enunciado em questão para investigar o que o produziu. Estamos hoje no meio de investigações no campo da teoria do conhecimento que nos levam a causas – são as teorias causais do conhecimento que ganham espaço hoje em dia. E esse campo só se abriu para tais perspectivas, ao menos com tal clareza filosófica, há poucas décadas.

H. Putnam Resumindo ao máximo, digo que uma teoria do conhecimento é causal quando ela pretende explicar o conhecimento única e exclusivamente com o apelo a causas. Por exemplo, você sabe do que ocorre ao seu redor na medida em que o que ocorre atinge sua vista e causa o impulso elétrico que lhe chega ao cérebro e que é devolvido ao nervo ótico de determinada maneira etc. E você sabe que Colombo aportou no continente que hoje denominamos de América de um modo também causal: um historiador escreveu isso em um livro e este livro foi entregue para você na escola, e as letras impressas no livro causaram em você essa condição de quem sabe que Colombo descobriu a América.

RortyÉ claro que, neste caso, há uma nova discussão a ser feita, que a da distinção entre “fatos” e “valores”. Há os que dizem que o que você vê é fato, o que é você leu está crivado por valor, e isso faria grande diferença etc. – em geram, chamamos de positivistas os que pensam assim. Mas, para filósofos como John Dewey, Hilary Putnam, Richard Rorty, Donald Davidson e vários outros (pragmatistas, de um modo geral), a distinção fato-valor não se sustenta, então, para eles, uma teoria causal do conhecimento deve receber boas vindas.

O problema, então, se existe, é ver como que a distinção fato-valor pode ser colocada de lado e, em seguida, como que colocando de lado tal distinção, podemos evitar o chamado reducionismo fisicalista, o que no passado chamávamos de a “desconsideração materialista” pela consciência ou alma, uma desconsideração que estaria no sentido de negar a liberdade como condição humana, etc. Há uma plêiade de outras discussões envolvidas aqui. Todavia, é difícil voltar para antes de 1963. Portanto, há de se admitir que também na filosofia, e não só nas ciências, há progresso.

Paulo Ghiraldelli Jr. pgjr23@yahoo.com.br

O conhecimento como crença verdadeira justificada

Autor: Cornman, Leher, Pappas
Fonte: Textos de Interesse Filosófico
Original: Pilosophical Problems and Arguments: An introduction
New York, Macmillan Publishing Co., Inc., 1983, pp. 42-44

 

Que significa [...] dizer que alguém conhece [knows] alguma coisa? Para responder claramente a isto, temos primeiro de especificar com precisão o que está a ser perguntado, pois a palavra “conhecer” tem uma grande variedade de usos e significados. Por exemplo, pode-se dizer de alguém que sabe [knows] jogar golfe, também pode dizer-se que conhece Paris, e, finalmente, pode dizer-se que sabe que a Universidade de S. Marcos é a mais antiga do hemisfério ocidental. Este último uso da palavra “conhece” [ou “sabe”] é aquele que está mais diretamente relacionado com a verdade e é o alvo habitual da crítica cética. Dizer que uma pessoa sabe que a Universidade de S. Marcos é a mais antiga do hemisfério ocidental é equivalente a dizer que ela sabe que é verdade que a Universidade de S. Marcos é a mais antiga do hemisfério ocidental. Este tipo de conhecimento é por vezes chamado teorético ou discursivo. Todavia, a característica que distingue este conhecimento é a de que a verdade é o seu objeto: trata-se de um conhecimento da verdade. O ceticismo [...] afirma que algo cuja verdade quase toda a gente supõe que conhecemos é na realidade algo cuja verdade não conhecemos. Um tal conhecimento pode ser formulado tanto dizendo que alguém sabe que X, como dizendo que esse alguém sabe que é verdade que X. Estas duas maneiras de afirmar o conhecimento são equivalentes. Assim, a verdade é uma condição necessária de tal conhecimento; se uma pessoa sabe que alguma coisa é de uma certa forma, então será verdade que essa coisa é dessa forma.

Repare-se que uma pessoa pode com freqüência afirmar [claim] que sabe que algo é de uma certa forma quando não é, mas, nesse caso, embora afirme que sabe, na realidade não sabe. De fato, essa pessoa ignora a verdade. Por exemplo, se alguém afirmar que sabe que a Universidade de Harvard é a mais antiga dos Estados Unidos, estará enganada, pois isso não é verdade. Essa pessoa não sabe o que afirma saber. Quando alguém está enganado e acredita no que é falso, então falta-lhe o conhecimento. Vemos agora que uma condição necessária para uma pessoa conhecer algo é que isso seja verdade. Outra condição necessária é a de que essa pessoa acredite nisso. É óbvio que uma pessoa não sabe que algo é verdade quando nem sequer acredita que isso seja verdade. Poderemos então fazer o conhecimento equivaler simplesmente à crença verdadeira? De forma alguma! Para vermos por que não, consideremos o caso de alguém que tem um pressentimento e assim acredita que o resultado final do jogo de futebol americano do próximo ano entre a armada e o exército será um empate 21-21. Além disso, suponhamos que essa pessoa é bastante ignorante acerca dos resultados de jogos anteriores e de outros dados relevantes. Finalmente, imaginemos que, por uma mera questão de sorte, o resultado vem a ser esse. Que se trata de uma mera questão de sorte, torna-se evidente pelo fato de essa pessoa ter com freqüência tais pressentimentos acerca de resultados de jogos e de os mesmos quase sempre se revelarem errados. A sua crença verdadeira acerca do resultado do jogo do próximo ano entre a armada e o exército não pode ser considerada conhecimento. Trata-se de uma questão de sorte e nada mais.

Como poderemos distinguir o conhecimento da mera crença verdadeira? A maior parte dos filósofos, incluindo os céticos, defende que a condição para se considerar a crença verdadeira como conhecimento tem a ver com a justificação que uma pessoa tem para acreditar naquilo em que acredita. A pessoa que tem a crença verdadeira acerca do jogo entre a armada e o exército não tem uma justificação razoável para acreditar naquilo em que acredita, pois na realidade não tem qualquer razão para acreditar que o resultado será um empate 21-21. Por outro lado, uma pessoa que assista ao jogo e ouça o apito final tem a sua crença completamente justificada e sabe, portanto, que o resultado final é um empate a vinte e um pontos. Assim, podemos afirmar que uma pessoa não tem conhecimento a não ser que possa justificar, e justificar completamente, a sua crença. Além disso, o que normalmente determina se uma pessoa tem uma boa justificação para a sua crença é a qualidade da evidência em que se baseia essa crença. A evidência da pessoa que assiste a todo o jogo é bastante adequada, enquanto que a evidência da pessoa que adivinha é profundamente insignificante.

Há uma qualificação adicional que é requerida. Uma pessoa pode ter uma boa justificação para aquilo em que acredita apesar de a sua justificação se basear nalguma suposição falsa. Por exemplo, se alguém estacionar o seu carro num parque público por algumas horas, tem uma boa justificação, quando regressa ao carro e não observa nenhuma alteração, para acreditar que o motor do carro continua a estar debaixo da capota. Claro que se o motor foi roubado enquanto o dono estava ausente, então a crença deste de que existe um motor por baixo da capota não constitui conhecimento simplesmente porque é falso que o motor lá esteja. No entanto, imaginemos que depois de o motor ter sido roubado chegou um amigo que, verificando que o motor tinha sido removido, procedeu de modo a substituí-lo antes que o dono chegasse para evitar o sofrimento deste se encontrasse o carro sem motor. Nesse caso, seria correta a crença do dono de que existia um motor debaixo da capota quando regressasse. Além disso, a sua crença seria igualmente bem justificada. Todavia, a crença do dono seria baseada numa suposição falsa, a saber, a de que o motor que estava debaixo da capota do seu carro quando o deixou continuava a estar lá. Esta suposição falsa leva-o à conclusão verdadeira de que há um motor debaixo da capota, mas a única justificação que tem para acreditar nisso baseia-se numa suposição falsa. Logo, não podemos dizer que essa pessoa sabe que há um motor debaixo da capota do seu carro.

Deve-se requerer não só que alguém tenha uma boa justificação para aquilo em que acredita, mas também que essa justificação não dependa essencialmente de nenhuma suposição falsa; de outro modo, não se pode considerar que essa pessoa conheça. [...] Requer-se que alguém tenha uma justificação completa para acreditar em algo de maneira que saiba que aquilo em que acredita é verdade, e também que a sua justificação não possa ser frustrada por qualquer falsa suposição.

Concluímos assim que uma pessoa conhece algo somente quando a sua crença é verdadeira, completamente justificada, e a justificação não é frustrável. Um cético que construa o seu ponto de vista a partir desta análise do conhecimento pode argumentar em relação àquelas coisas que as pessoas normalmente assumem que conhecem afirmando (1) que nem sequer acreditamos nessas coisas, (2) que elas não são verdadeiras, (3) que não temos uma justificação completa para acreditarmos nelas, ou (4) que a nossa justificação, embora completa, é frustrada por alguma suposição falsa de que depende essencialmente. O ponto mais favorável para o cético se apoiar é a condição (3). Um cético que pretenda defender uma forma de ceticismo muito extensa, afirmando, por exemplo, que não sabemos se alguma das nossas crenças perceptivas é verdadeira, fará melhor em argumentar que a condição (3) da análise não é satisfeita por tais crenças. Claro que ele pode defender que todas essas crenças são falsas, mas se concede que temos uma justificação completa para as nossas crenças perceptivas, ser-lhe-á difícil convencer os seus detratores acerca dos méritos do seu ceticismo. Para tornar a sua posição sustentável, será necessário, como passo preliminar, argumentar que tais crenças não são completamente justificadas.

O que é o conhecimento? - Elliott Sober - Universidade de Wisconsin

Core Questions in Philosophy, de Elliot Sober

Fonte: Crítica O que é o conhecimento?

Epistemologia

O que é o conhecimento?
Elliott Sober
Universidade de Wisconsin

1. Tipos de Conhecimento

No quotidiano falamos de conhecimento, de crenças que estão fortemente apoiadas por dados, e dizemos que elas têm justificação ou que estão bem fundamentadas. A epistemologia é a parte da filosofia que tenta entender estes conceitos. Os epistemólogos tentam avaliar a ideia, própria do senso comum, de que possuímos realmente conhecimento. Alguns filósofos tentaram apoiar com argumentos esta ideia do senso comum. Outros fizeram o contrário. Os filósofos que defendem que não temos conhecimento, ou que as nossas crenças não têm justificação racional, estão a defender uma versão de cepticismo filosófico.

Antes de discutirmos se temos ou não conhecimento, temos de tornar claro o que é o conhecimento. Podemos falar de conhecimento em três sentidos diferentes, mas apenas um nos vai interessar. Considerem-se as seguintes afirmações acerca de um sujeito, ao qual chamarei S:

  1. S sabe andar de bicicleta.
  2. S conhece o Presidente dos EUA.
  3. S sabe que a Serra da Estrela fica em Portugal.

Chamo conhecimento proposicional ao tipo de conhecimento apresentado em 3. Note-se que o objecto do verbo em 3 é uma proposição — uma coisa que é verdadeira ou falsa. Existe uma proposição — a Serra da Estrela fica em Portugal — e S sabe que essa proposição é verdadeira.

As frases 1 e 2 não têm esta estrutura. O objecto do verbo em 2 não é uma proposição, mas uma pessoa. O mesmo aconteceria se disséssemos que S conhece Lisboa. Uma frase como 2 diz que S está ou esteve na presença de uma pessoa, de um lugar ou de uma coisa. Por isso dizemos que 2 corresponde a um caso de conhecimento por contacto.

Existe alguma ligação entre estes dois tipos de conhecimento? Possivelmente, para que S conheça o Presidente dos Estados Unidos, terá de ter conhecimento proposicional acerca dele. Mas qual? Para que S conheça o Presidente terá de saber em que Estado ele nasceu? Isso não parece essencial. E o mesmo parece acontecer relativamente a todos os outros factos acerca dele: não parece haver qualquer proposição específica que seja necessário saber para se possa dizer que se conhece o Presidente. Conhecer uma pessoa implica, isso sim, ter um tipo qualquer de contacto directo com ela.

Chamemos ao tipo de conhecimento exemplificado em 1 conhecimento de aptidões. Que significa dizer que se sabe fazer alguma coisa? Penso que isto tem pouco a ver com o conhecimento proposicional. Uma pessoa pode saber andar de bicicleta aos cinco anos, e para isso não precisa de saber qualquer proposição acerca desse facto. O contrário também pode acontecer: uma pessoa pode ter muito conhecimento proposicional acerca de um assunto — de pintura, por exemplo — , e não ter qualquer conhecimento de aptidões a esse respeito.

Vamos aqui abordar apenas o conhecimento proposicional. Queremos saber o que é necessário para que um indivíduo S saiba que p, sendo p uma proposição qualquer — como a de que a Serra da Estrela fica em Portugal. Daqui em diante, quando falarmos de conhecimento, estaremos sempre a referir-nos ao conhecimento proposicional.

2. Condições Necessárias e Suficientes

Consideremos a definição de solteiro:

Para qualquer S, S é solteiro se e somente se:

1) S é um adulto,
2) S é homem,
3) S não é casado.

Não digo que esta definição capta com precisão o que «solteiro» significa em português comum. Usamos apenas esta definição como um exemplo de uma proposta de definição. Uma definição é uma generalização. Diz respeito a qualquer indivíduo que queiramos considerar. Nesta definição fazemos duas afirmações: a primeira é a de que SE um indivíduo tem as características 1, 2 e 3, então é solteiro. Por outras palavras, 1, 2 e 3 são, em conjunto, suficientes para que se seja solteiro. A segunda afirmação é a de que SE um indivíduo é solteiro, então tem as três características. Por outras palavras, 1, 2 e 3 são, cada uma delas, condições necessárias para se ser solteiro.

Uma boa definição especifica as condições suficientes e necessárias para o conceito que queremos definir. Isto significa que existem dois tipos de erros que podem ocorrer numa definição: as definições podem ser demasiado abrangentes ou demasiado restritivas.

3. Dois Requisitos para o Conhecimento: Crença e Verdade

Devemos fazer notar duas ideias que fazem parte do conceito de conhecimento. Primeiro, se S sabe que p (que uma proposição é verdadeira), então tem de acreditar que p. Segundo, se S sabe que p, então p tem de ser verdadeira. O conhecimento requer tanto a crença quanto a verdade. Comecemos pela segunda ideia. As pessoas às vezes dizem que sabem coisas que mais tarde se revelam falsas. Mas isto não é saber coisas que são falsas, é pensar que se sabem coisas que, de facto, são falsas.

O conhecimento tem um lado subjectivo e um lado objectivo. Um facto é objectivo se a sua verdade não depende de como é a mente das pessoas. É um facto objectivo que a Serra da Estrela está 2 000 metros acima do nível do mar. Um facto é subjectivo se não é objectivo. O exemplo mais óbvio de um facto subjectivo é uma descrição do que acontece na mente de alguém.

Se uma pessoa acredita ou não que a Serra da Estrela está a 2 000 metros acima do nível do mar é uma questão subjectiva, mas se a montanha tem realmente essa propriedade é uma questão objectiva. O conhecimento requer tanto um elemento subjectivo como um elemento objectivo. Para que S conheça p, p tem de ser verdadeira e o sujeito, S, tem de acreditar que p é verdadeira.

4. Terceiro Requisito: Justificação

Apontei duas condições necessárias para o conhecimento: o conhecimento requer crença e requer verdade. Mas será que isto é suficiente? Será que estas duas condições não são apenas separadamente necessárias, mas também conjuntamente suficientes? É a crença verdadeira suficiente para o conhecimento?

Pensemos num indivíduo, Clyde, que acredita na história do Dia do Porco do Campo. Clyde pensa que se o Porco do Campo vir a sua própria sombra, a Primavera virá mais tarde. Suponha-se que Clyde põe este princípio idiota em prática este ano. Ele tem informações que o fazem pensar que a Primavera virá mais tarde. Suponha-se que Clyde acaba por ter razão acerca deste facto. Se não existir nenhuma conexão lógica entre o facto de o porco do campo ter visto a sua própria sombra e o facto de a Primavera vir mais tarde, então Clayde terá uma crença verdadeira (a Primavera virá tarde), mas não terá conhecimento.

Que será então necessário, para além da crença verdadeira, para que alguém possua conhecimento? A sugestão mais natural é a de que o conhecimento requer dados de apoio, ou uma justificação racional. Note-se que ter uma justificação não é apenas pensar que se tem uma razão para acreditar em algo.

Que significa dizer que um indivíduo tem uma crença «justificada» na proposição p? Uma justificação pode ter a forma de um argumento dedutivo, de um argumento indutivo ou de um argumento abdutivo. Talvez existam outras opções além destas três. Mas, o que quer que seja que entendemos por «justificação», parece plausível dizer que as crenças que são defendidas irracionalmente não são casos de conhecimento (mesmo que elas sejam verdadeiras).

5. A Teoria CVJ

Suponhamos que o conhecimento requer estas três condições. Será que isto é suficiente? Será que estas condições não são apenas separadamente necessárias, mas também conjuntamente suficientes? Chamarei CVJ à teoria que afirma que assim é. Esta teoria diz que ter conhecimento é a mesma coisa que ter crenças verdadeiras justificadas:

(CVJ) Para que qualquer indivíduo S e para qualquer proposição p, S conhece p se e somente se

1) S acredita em p
2) p é verdadeira
3) a crença de S em p está justificada

A Teoria CVJ afirma uma generalização. Diz o que é o conhecimento para qualquer pessoa e para qualquer proposição p. Por exemplo, suponhamos que S és tu e que p = «A Lua é feita de queijo verde». A teoria CVJ diz o seguinte: se sabes que a Lua é feita de queijo verde, então os enunciados 1, 2 e 3 devem ser verdadeiros. E se não sabes que a Lua é feita de queijo verde, então pelo menos um dos enunciados de 1 a 3 deve ser falso. Tal como na definição de solteiro discutida antes, a expressão «se, e somente se» diz-nos que são dadas condições necessárias e suficientes para o conceito definido.

6. Três Contra-Exemplos à Teoria CVJ

Em 1963, o filósofo Edmund Gettier publicou dois contra-exemplos para a teoria CVJ. O que é um contra-exemplo? É um exemplo que contradiz o que diz uma teoria geral. Um contra-exemplo contra uma generalização mostra que a generalização é falsa. A teoria CVJ diz que todos os casos de crença verdadeira justificada são casos de conhecimento. Gettier pensa que estes dois exemplos mostram que um indivíduo pode ter uma crença verdadeira justificada mas não ter conhecimento. Se Gettier tiver razão, então as três condições indicadas pela teoria CVJ não são suficientes.

Eis um dos exemplos de Gettier. Smith trabalha num escritório. Ele sabe que alguém será promovido em breve. O patrão, que é uma pessoa em quem se pode confiar, diz a Smith que Jones será promovido. Smith acabou de contar as moedas no bolso de Jones, encontrando aí 10 moedas. Smith tem então boas informações para acreditar na seguinte proposição:

a) Jones será promovido e Jones tem 10 moedas no bolso.

Smith deduz, então, deste enunciado o seguinte:

b) O homem que será promovido tem 10 moedas no bolso.

Suponha-se agora que Jones não receberá a promoção, embora Smith não o saiba. Em vez disso, será o próprio Smith a ser promovido. E suponha-se que Smith também tem dez moedas dentro do bolso. Smith acredita em b, e b é verdadeira. Gettier afirma também que Smith acredita justificadamente em b, dado que a deduziu de a. Apesar de a ser falsa, Smith tem excelentes razões para pensar que é verdadeira. Gettier conclui que Smith tem uma crença verdadeira justificada em b, mas que Smith não sabe que b é verdadeira.

O outro exemplo de Gettier exibe o mesmo padrão. Um sujeito deduz validamente uma proposição verdadeira a partir de uma proposição que está muito bem apoiada por informações, embora esta seja falsa, apesar de o sujeito não o saber. Quero agora descrever um tipo de contra-exemplo à teoria CVJ na qual o sujeito raciocina não dedutivamente.

O filósofo e matemático britânico Bertrand Russell (1872-1970) refere um relógio muito fiável que está numa praça. Esta manhã olhas para ele para saber que horas são. Como resultado ficas a saber que são 9.55. Tens justificações para acreditar nisso, baseado na suposição correcta de que o relógio tem sido muito fiável no passado. Mas supõe que o relógio parou há exactamente 24 horas, apesar de tu não o saberes. Tens a crença verdadeira justificada de que são 9.55, mas não sabes que esta é a hora correcta.

7. Que Têm os Contra-Exemplos em Comum?

Em todos estes casos, o sujeito tem dados para acreditar na proposição em causa que são altamente credíveis, mas não infalíveis. O patrão está geralmente certo sobre quem vai ser promovido, o relógio está geralmente certo quanto às horas. Mas é claro que geralmente não é sempre. As fontes da informação que os sujeitos exploraram nestes exemplos são altamente credíveis, mas não são perfeitamente credíveis. Todas as fontes de informação eram susceptíveis de erro, pelo menos até certo ponto.

Será que estes exemplos refutam realmente a teoria CVJ? Depende de como entendemos a ideia de justificação. Se dados altamente credíveis são suficientes para justificar uma crença, então estes contra-exemplos refutam realmente a teoria CVJ. Mas se a justificação requer dados perfeitamente infalíveis, então estes exemplos não refutam a teoria.

A minha opinião é de que os dados que justificam uma crença não precisam de ser infalíveis. Penso que podemos ter crenças racionais bem apoiadas mesmo quando não nos empenhamos em estar absolutamente certos de que o que acreditamos é verdadeiro. Assim, concluo que a crença verdadeira justificada não é suficiente para o conhecimento.

Elliott Sober
Tradução de Paula Mateus
Texto retirado do livro Core Questions in Philosophy, de Elliott Sober (Prentice Hall, 2008)